Corpo de Bombeiros em Dois Irmãos são trotes
A corporação se mobilizou, deslocando seis bombeiros voluntários e militares - três com a ambulância e outros três com o caminhão. Tratava-se de uma emergência. No quartel, ficou apenas um estagiário. Eram 21h19 quando a redação do Jornal Dois Irmãos telefonou ao quartel para saber do ocorrido. O telefone foi atendido pelo estagiário que disse não ter maiores informações. Ele apenas sabia que “todos do quartel foram para a ocorrência”. Em contato com a Brigada Militar, foi informado que se tratava de um incêndio em uma casa na rua Itália, no bairro São Miguel. A redação do JDI deslocou-se, então, ao bairro, onde já na entrada foi ultrapassada por uma viatura da BM em alta velocidade. O caso parecia grave.
Chegando mais perto do local, havia grande movimentação de moradores, vizinhos e curiosos. Mas, a curiosidade maior foi que não havia fogo, nem bombeiros trabalhando. A redação foi saber o que tinha acontecido, e um bombeiro disse que neste mesmo dia eles estavam sendo chamados ao bairro pela segunda vez. “Fomos chamados à tarde e não tinha nada. Agora de novo. Achamos que a casa já estava abaixo, que já havia sido tomada pelas chamas, conforme informações que passaram. Chegamos aqui e era fogo em uma churrasqueira, o qual apagamos com um balde de água”, relata o bombeiro André de Souza. “Nestes casos, é importante a questão da prevenção também. Orientamos os moradores, e se as chamas tivessem evoluído, poderia ter acontecido algo mais grave”, acrescenta o bombeiro Danilo Spanevello Menezes.
No interior da residência, havia um senhor “alterado”, que havia consumido bebida alcoólica e teria ameaçado por fogo na casa. Os bombeiros, então, chamaram a BM, que registrou a ocorrência como “agressão”. Ainda enquanto os bombeiros e os policias militares “conversavam” com os moradores, foram chamados pastores para levar “palavras de esperança” à família.
E só então, aos poucos, curiosos, vizinhos, bombeiros, força policial e a imprensa deixaram o local.
De 200 ligações diárias, 180 são trotes
O fato deste domingo chama a atenção para uma realidade que impressiona em Dois Irmãos.
Cerca de 90% das ligações feitas para o 193 (número de emergência dos bombeiros), são trotes. O mesmo é com as chamadas feitas para o 190 (telefone de emergência da Brigada Militar). A sargento Deise Schulz, do Corpo de Bombeiros, diz que de 200 ligações diárias 90% são trotes. “Nas férias escolares é um pouco mais tranquilo. A maioria das chamadas é de orelhões perto da escola. Já deslocamos viaturas até o local, aí as crianças prometiam não fazer mais”, diz ela. Segundo Deise, tem um número de telefone da VIVO que liga todos os dias para o 193, já faz em torno de um mês. “Esta pessoa está ocupando a linha quando outras podem precisar de atendimento”, comenta ela.
Deise alerta sobre a importância de ter consciência dessas atitudes. “Ontem, no caso do São Miguel, não era um caso grave. Tudo bem que a família foi orientada, mas se tivesse ocorrido algo mais grave, até retornar o caminhão cheio de água, isso levaria muito tempo. A população tem que se certificar. Não pode agora uma pessoa do alto de um apartamento ver alguma coisa com o que ela acha ser fumaça, e chamar os bombeiros. Às vezes, chegamos a mobilizar outros quartéis, de Novo Hamburgo, Sapiranga, para cobrir nossa área. Então pensar num deslocamento à longa distância e não passar de um trote é complicado. Mas infelizmente acontece”, afirma a sargento.
Diante dessas situações, Deise comenta que é difícil agir. “Temos três bombeiros de dia, e seis à noite. A única coisa que podemos fazer é trabalhar na campanha de conscientização. Até porque os números da onde as pessoas ligam para fazer o trote é conhecido dos bombeiros. Pode acontecer de um dia essa pessoa precisar de atendimento de verdade, então ela liga, mas o número não tem mais crédito porque já é conhecido como ‘o número do trote’. Até mesmo um outro pode está ocupando a linha fazendo trote, quando você precisa para uma emergência”, explica ela. “O número já é gratuito para facilitar o atendimento a emergências”, conclui a sargento Deise.
Maioria dos trotes é feita por crianças
Assim como acontece no Corpo de Bombeiros, na Brigada Militar 90% das ligações recebidas também são trotes, principalmente pelo 190, que deveria ser um número apenas para emergências. A informação é confirmada pelo comandante da BM, tenente Nilton Tavares, e pelo soldado Sérgio Altair de Souza, que ontem à tarde era o responsável pela sala de operações.
Na maior parte dos casos, o trote é feito por crianças em orelhões públicos perto das escolas ou do telefone dos pais. “Seria importante pensarmos em fazer uma campanha de conscientização na volta às aulas. Muitos trotes são feitos dos telefones públicos nos intervalos das aulas e nos horários de entrada e saída da escola. Outro fator que deveria apenas nos ajudar e que está atrapalhando é o fácil acesso ao telefone. Muitas vezes os pais se distraem em casa e os filhos pegam o telefone, ou em outros casos o próprios adolescentes ou criança têm um telefone celular”, alerta o comandante.
O soldado na sala de operações tem a árdua missão de fazer a filtragem das ligações. “A maior parte dos trotes a gente consegue identificar rapidamente. Quando são crianças, só em forçar nas perguntas elas já desligam. Já com adultos, é um pouco mais complicado, mas ainda conseguimos identificar a grande maioria. Mesmo assim ainda temos casos em que são enviados policiais para as falsas ocorrências”, conta o soldado Sérgio.
Quem pensa que trote é só uma brincadeira (e de péssimo gosto) está muito enganado. Quem passa trote pode ser detido e pegar de um a seis meses de prisão. O comandante Tavares ressalta que trote é crime e que, além de tirar profissionais do seu posto de trabalho por motivo fútil, essa atitude pode até causar uma tragédia. “Caso ocorra uma ocorrência verídica no mesmo momento do trote, as equipes estarão deslocadas e irão demorar mais tempo para chegar”, destaca ele.
Conforme o artigo 340 do Código Penal, o trote se enquadra no crime de comunicação falsa de crime ou contravenção e a punição pode ser a prisão ou multa.
Pessoas ligam na madrugada para conversar
Outro registro frequente na BM é o caso de pessoas solitárias que ligam procurando alguém para conversar. “Homens e mulheres de todas as idades ligam para nós de madrugada. A grande maioria quer apenas conversar e contar dos seus problemas. Estamos percebendo que isso vem acontecendo cada vez mais”, afirma o tenente Nilton Tavares.
O procedimento usado pelos policiais é lidar da melhor maneira com o problema. “Não chegamos a ter casos graves, mas são pessoas que se sentem sozinhas”, acrescenta.
Homem já foi detido por passar trote
Passavam das quatro horas da tarde do dia 16 de dezembro de 2009 quando viaturas da Brigada Militar, uma ambulância do Postão 24h e o caminhão do Corpo de Bombeiros se deslocaram para o bairro São João. Sirenes alertavam para algo grave. As três equipes receberam ligações de um homem relatando que seu filho havia despencado de um barranco e estava correndo risco de morte. Equipados com cordas e capacetes específicos para resgate em altura, os bombeiros não encontraram o que esperavam quando chegaram no local. Na verdade, se depararam com uma situação que, infelizmente, vem se tornando rotineira: tudo não passava de um trote.
Um técnico de enfermagem, motoristas, policiais e bombeiros haviam deixado seus postos de trabalho por causa de uma falsa ocorrência. Por um lado, o alívio de não ter uma criança em risco de morte; por outro a indignação de um alarme falso que podia se tornar um caos, caso naquele exato momento tivesse acontecido uma ocorrência de verdade em outro bairro.
Mas desta vez o trote não passou em branco. O culpado pelas ligações foi identificado e detido em flagrante pela Brigada Militar. Ele era morador do bairro e apresentava sinais de embriaguez. No seu celular constavam todas as ligações feitas.
Foi registrado um Termo Circunstanciado e o homem irá responder na Justiça. Se não o único, este foi um dos casos em que alguém foi preso na cidade por passar trote. Que sirva de exemplo!
Postão 24h também é vítima de trotes
Trotes não acontecem somente em números de emergência gratuitos como 190 e 193. Muitas pessoas vão além. Ligam até para o Postão 24h e são tão convincentes que às vezes a ambulância com médico, motorista e técnicos em enfermagem chegam a se deslocar para o suposto local da ocorrência.
A chefe do Departamento Municipal de Saúde, Ana Paula Macedo, relata um trote grave feito na semana passada para a unidade de saúde. “Alguém ligou para nós contando que havia uma pessoa caída morta na beira da estrada no bairro São Miguel. Como era para ser um caso grave e com possível morte, tive que tirar o médico da emergência e mandá-lo junto com outros técnicos de enfermagem para o local, pois só o médico pode atestar a morte. Resumindo, foram quatro profissionais mobilizados e ao chegar no local onde estaria a vítima, nada foi encontrado, tudo não passava de um trote”, conta ela, acrescentando que este trote poderia ter resultado em tragédia. “No momento que a ambulância estava no São Miguel, uma criança havia sofrido um acidente no São João. Por causa deste trote, essa criança precisou esperar mais tempo por atendimento. Este tipo de trote é inaceitável. Enquanto estes profissionais estavam se deslocando em uma ocorrência de mentira, pessoas dentro do posto poderiam ter sido atendidas mais rápido e esta criança também teria sido socorrida com maior agilidade”, diz ela.
Ana Paula acredita que 10% das ligações feitas para o Postão são trotes. “Este número é muito alto. Temos uma emergência e isso não é brincadeira. A maioria das ligações é feita por adultos que inventam acidentes de trânsito ou até mesmo dizem que tem uma pessoa em estado grave em casa e quando a ambulância chega, essa pessoa só está com dor de estômago, isso acontece muito”, comenta ela.
Bêbado liga para pegar uma carona
Quem lida com casos de emergência também vive situações no mínimo curiosas, como conta o secretário municipal de Saúde, Márcio Slaviero.
- Temos o caso de um senhor já conhecido nosso que costuma ligar de um orelhão, dizendo que tem alguém caído na rua. Quando a equipe chega lá, é ele mesmo que está deitado, bêbado, perto do orelhão. Na verdade, ele quer uma carona pra casa - diz Márcio.