quinta-feira, 28 de abril de 2011

Uma vida bem afiada

Bruno Osvaldo Böes trabalha como afiador em Dois Irmãos há 16 anos, mas desde criança sua vida esteve ligada a serras, rebolos e navalhas. Ele tem todos os clientes e serviços registrados em um caderno, e do alto dos seus 76 anos de idade, ensina: "Só o melhor é o bastante". Na reportagem a seguir, ele conta um pouco da sua história e do seu trabalho.
Bruno já chegou a afiar cerca de 50 alicates por semana






As primeiras afiações foram com rebolo

movido à manivela, na marcenaria do pai

Bruno Osvaldo Böes, 76 anos, nasceu no dia 25 de maio de 1934, na localidade de Paredão, no 2º Distrito de Taquara. É filho de Olga Maria Kahl Böes e Alfredo Oscar Böes. O pai trabalhava na fabricação de móveis de madeira e, desde pequeno, Bruno o ajudava nos trabalhos de marcenaria em casa. Foi ali que Bruno começou a afiar as primeiras peças, os materiais que eram usados para cortar a madeira para fabricar os móveis.

- Eu e meu pai trabalhávamos para pessoas da região e para nossos vizinhos. Para afiar os materiais a gente usava um rebolo (rolo feito de pedra gres), movido à manivela. O que mais a gente afiava eram navalhas de plaina - conta Bruno.

Mais tarde, já com 21 anos, ele parou de trabalhar com o pai e começou na Indústria de Móveis Diehl e CIA, em Taquara. Na empresa, continuou fazendo o mesmo trabalho.

- Lá cada um era responsável por afiar os seus instrumentos de trabalho, como serrote, formões e plainas, mas já existiam algumas máquinas que faziam isso. Não precisava mais do rebolo movido à manivela - diz Bruno, que trabalhou na empresa até 1977.



A pedido de Romeo Wolf, Bruno

veio trabalhar em Dois Irmãos

A saída da empresa Diehl, em 1977, foi o que trouxe Bruno a Dois Irmãos. O ex-prefeito Romeo Wolf atuava no ramo calçadista e precisava de profissionais para trabalhar com cepas de madeira, foi então que procurou Bruno, que prontamente aceitou o convite e começou a trabalhar na antiga Calçados Travêsso. Na época, Bruno tinha 42 anos e já era casado com Almira Paula Böes. O casal também já tinha a única filha, Izoldi Maria da Graça Böes.

- Na Travêsso meu trabalho era fazer as cepas, afiar algumas ferramentas e fazer moldes para as prensas. Além disso, também fiz vários móveis da empresa - conta Bruno.

Saindo da Travêsso em 1985, Bruno começou a trabalhar na Palmisinos, em Sapiranga, mas continuou morando em Dois Irmãos.

- Tinha dois carros, um deles era um Fusquinha. Ele me levava para lá e para cá. Comprei especialmente para trabalhar - lembra Bruno.

Na Palmisinos, novamente se deparou com a afiação de materiais, além de outros serviços.

- Fazia moldes de matrizes em madeira para prensas de palmilha e afiava materiais.

Em 1994, ele já pensava em ter seu próprio negócio, mas desta vez nada relacionado a móveis ou moldes para prensas. Bruno queria simplesmente trabalhar como afiador. Enquanto trabalhava o último ano na Palmisinos, ele já comprava maquinários e outros equipamentos de trabalho. No dia 19 de dezembro de 1995, Bruno resolveu encerrar sua trajetória na empresa e começou a atuar como afiador, em um espaço criado na própria casa, onde trabalha até hoje.



Registro de primeira compra de

maquinário e a primeira afiação

Bruno tem registros de tudo. Da primeira máquina que comprou, todos os nomes dos clientes que já atendeu nestes 16 anos e todas as afiações feitas com todos os valores registrados.

- A minha primeira compra foi no dia 10 de dezembro de 1994, quando ainda trabalhava na Palmisinos. Comprei um eixo pequeno e um motor de meio cavalo, que servia para afiar serrotes e diversos outros materiais para montar uma máquina - lembra ele.

O registro da primeira afiação é de 24 de junho de 1995.

- Não lembro muito bem, mas devem ter sido serrotes. Os trabalhos daquela primeira semana deram lucro de sete reais - diz Bruno, que enquanto ainda estava na Palmisinos, já trabalhava com afiador em casa durante os finais de semana e a noite.



Vendeu o Fusca para comprar uma máquina
Já que não precisava mais ir todos os dias para Sapiranga, não era mais necessário ter dois carros. Foi aí que Bruno resolveu vender o Fusca. Mas essa não foi a única razão do negócio.

- Vendi o Fusca para comprar uma máquina que custava na época R$ 1900,00. Era um afiador, modelo AAF 200, que serve para afiar facas, serras, fresas e correntes. Vendi meu Fusca por R$ 2.150,00.



Acidente de trabalho em 1957
Ele lembra bem da data e de como aconteceu. No dia 24 de junho de 1957, quando ainda trabalhava na empresa Diehl, Bruno perdeu parte de um dos dedos da mão esquerda.

- Eu estava fazendo o lado de uma gaveta, numa máquina que chamamos de desempenadeira ou aparelhador. Simplesmente ao passar a madeira, meu dedo foi junto e perdi parte dele - diz Bruno, destacando que foi o único acidente de trabalho que ocorreu até hoje. - Claro que às vezes a gente se corta um pouquinho, mas nada demais, são coisas do nosso dia a dia.



Concentração no trabalho Segundo Bruno, quando está afiando, não pensa em nada além disso.

- Minha concentração toda está no que estou fazendo. Não penso em mais nada. Como trabalho sozinho, não tenho com quem conversar, e até prefiro, pois me concentro mais.



Depois de 16 anos na profissão,

Bruno continua com disposição

Ele gosta do que faz e não troca a profissão por nada.

- Desde pequeno fazia isso e fui me aperfeiçoando aos poucos. No início era tudo mais difícil, já agora é tudo muito prático. Temos máquinas e equipamentos que facilitam o trabalho. Afio espátulas, alicates de cutícula, serra circular, serra circular de widea, serrote de mão, serrote arco, motosserra elétrica, facão e até faca de cozinha - diz ele, destacando uma curiosidade:

- Por mais que o alicate de cutícula seja algo pequeno, é o que requer mais cuidado na hora de afiar, pois é muito delicado. Às vezes, por semana, chego a afiar 50 alicates – conta Bruno, que tem um dia específico para afiar os alicates. - É quinta-feira, e os clientes sabem disso.

Diferente de antigamente, hoje Bruno também já utiliza materiais bem mais modernos e práticos para afiar as ferramentas.

- O rebolo é usado para afiar tudo, exceto os alicates e as espátulas. Existem rebolos de vários tipos. Eu trabalho com o rebolo reto, o copo e o prato. A máquina nós chamamos de esmeril. Um dos materiais mais caros que eu utilizo aqui é a cerra circular de widea, que é fabricada com rebolo diamantado. Custa cerca de 120 reais - diz ele.

O horário de trabalho também é definido e respeitado rigorosamente por ele. Ele atende das 8h30 às 11h e das 14h30 às 18h, de segunda a sexta-feira na avenida 25 de Julho, 1306.

- Além disso, nos meses de janeiro e fevereiro estou de férias, todos os anos.

Mais de 1.500 clientes em 16 anos

Até o último dia 25 de abril, já eram 1595 clientes registrados no caderno de anotações do afiador. E não pensem que são só de Dois Irmãos e cidade próximas como Morro Reuter, Santa Maria do Herval ou Ivoti. Ele também tem clientes de Presidente Lucena, Sapiranga, Taquara, Gramado, Campo Bom, Novo Hamburgo, Guaíba e até de Porto Alegre.

- Muitos dos meus clientes já faleceram, mas os nomes permanecem aqui, e com muito orgulho. Lembro de cada um deles - diz Bruno, citando os nomes de Romeo Wolf, Ariberto Wendling, Arno Görgen e Blásio Bremm, entre outros.

- Todos os clientes são bons, mas a Idesa está entre os melhores. Sempre que a empresa está em período de férias, eles trazem as ferramentas para afiar, e todas elas são numeradas – completa Bruno.

No caderno, a organização dos nomes é de acordo com a inicial de cada um e cada um dos clientes tem seu número específico.



Vida em família e a saudade da esposa

No início de 2008 uma notícia abalou a família de Bruno. Descobriram que sua esposa Almira tinha câncer no intestino. Durante dois anos e quatro meses Almira passou por tratamento no Hospital Conceição em Porto Alegre, mas não adiantou. Ela faleceu no dia 10 de abril de 2010, deixando o esposo Bruno e a filha Izoldi, hoje com 54 anos.

- Batalhamos muito, mas infelizmente isso aconteceu - lamenta ele, destacando que Almira era uma pessoa maravilhosa. - Ela sempre foi um grande exemplo de mãe e esposa. Ela era o meu braço direito e a maior incentivadora do meu trabalho – completa Bruno.

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