segunda-feira, 9 de novembro de 2009

INFÂNCIA COM MEDO


O lar deveria ser um lugar de proteção para a criança. A companhia dos pais deveria ser um momento de troca de carinho e amor. Toda criança tinha que ter o direito de sonhar que seu pai é um herói. Mas para muitas, a casa é sinônimo de dor e sofrimento. E o pai de medo.
Dois Irmãos vive uma realidade assustadora de violência sexual infantil. Cada vez mais órgãos competentes, como Conselho Tutelar e Promotoria Pública, recebem denúncias. E o que torna a situação ainda mais dramática, é que estas agressões (desde molestar até estuprar) acontecem, na maioria das vezes, em casa por pais e padrastos ou por pessoas de confiança da vítima. A criança tem sua infância interrompida e passa a viver com medo e sob ameaças. Até que essas agressões cessem, pode passar anos, como confirma o promotor público.
- Tenho o caso de uma adolescente que aos 15 anos relatou que foi vítima de violência sexual dos 9 aos 13 anos - comenta Wilson Grezzana.
No Conselho Tutelar também existe a preocupação dos casos que não chegam até eles.
- Estes que não chegam acredito ainda que sejam maioria - diz Márcia Skonetzky.
A redação do Jornal Dois Irmãos conversou com a Promotoria Pública e o Conselho Tutelar que relataram casos e como está a situação destes crimes em Dois Irmãos.


Promotor Wilson Grezzana
“Depois de um crime
com morte, o abuso sexual
é o mais temeroso”



Em Dois Irmãos, as vítimas de violência sexual são, na maior parte dos casos, crianças que estão na faixa etária dos 10 anos. O promotor público Wilson Grezzana relata que no município são raros os abusos com mulheres adultas.
- Casos de mulheres serem atacadas caminhando à noite, em lugar ermo, sem iluminação e vigilância até acontecem, mas raramente. A maioria dos abusos sexuais ocorre em crianças no ambiente doméstico. Padrastos que não têm uma relação de carinho e de sentimento com a criança, vê ela crescendo e se sente atraído. Outras crianças se tornam vítimas do pai biológico. Muito está ligado ao ambiente doméstico. Este é um fenômeno em Dois Irmãos - conta ele.
Normalmente, nos casos em que a criança é vítima de algum familiar, o crime não ocorre uma única vez. Quando o abusador consegue o que deseja, o mais comum é a criança ser ameaçada a não contar nada e o trauma acaba se repetindo, muitas vezes, durante anos.
- Já tive caso aqui em que uma adolescente de 15 anos relatou que dos 9 aos 13 foi vítima de violência sexual dentro de casa. Depois que acontece a primeira vez, o abusador se sente encorajado a novas tentativas. As agressões sexuais costumam acontecer em uma oportunidade. Por exemplo: a pessoa trabalha como autônomo, está chovendo e não tem serviço, e a criança está ali ao lado. O caminho está livre para ele cometer o crime. Depois da violência, muitas vezes a criança é ameaçada de morte. Ela é silenciada pelo temor - diz ele.
Uma criança abusada carrega o trauma por toda a vida e sofre uma transformação brusca de personalidade. Quando a menina ou até mesmo o menino é violentado e o caso chega a Promotoria Pública, existe um tratamento diferencial.
- O processo é um segundo sofrimento. Diferente de audiências comuns, com a criança há uma maneira diferenciada para seu depoimento. Antes de tudo, ela precisa sentir confiança. Não adianta colocar ela sentada na cadeira e esperar que conte tudo. Normalmente, tem a presença de uma psicóloga, e ela pode pedir um desenho, o que muitas vezes surpreende e se torna uma revelação. Aos poucos a criança vai contando da sua maneira o que está acontecendo - explica ele, lembrando que alguns tipos de violência não deixam vestígios.
- A violência sexual como apalpar o corpo da criança, tocá-la ou a masturbação não deixam marcas físicas. Por isso, é necessário um trabalho específico com a criança, com presença de especialistas para que se descubra tudo que ela vem sofrendo - completa o promotor dois-irmonense.
Wilson também chama a atenção para outra preocupante situação que acontece em Dois Irmãos. Além da violência sexual de adultos contra meninas e meninos, há casos de adolescentes que abusam de crianças mais novas. “Uma criança ou adolescente que foi abusado muitas vezes acaba iniciando a vida sexual precocemente. A relação sexual já está acontecendo mais cedo no geral, mas nestes casos é ainda mais precoce. Um rapaz de 14 anos, que está num período de amadurecimento sexual, tem timidez de se aproximar de uma menina da sua idade. Por conviver com crianças menores, chega a abusar delas de alguma maneira”, conta ele. Esta é uma situação difícil, pois muitas vezes os pais podem achar que os filhos estão protegidos com este adolescente quando a realidade é completamente diferente. “É uma relação que tem que ser observada”, adverte Wilson.


Conselheira Márcia Skonetzky
“Em 90% dos casos,
a criança sofre o abuso
na própria família”


O Conselho Tutelar de Dois Irmãos tem recebido desde o ano passado várias denúncias de estupro, tentativa de estupro e pedofilia. A conselheira Márcia Skonetzky atribui o aumento no número de denúncias que chegam até o órgão a um trabalho desenvolvido principalmente nas escolas. “Fomos nas instituições, conversamos sobre o assunto com os alunos e entregamos alguns materiais informativos. Nestes encontros, nós já percebemos algumas situações, e também contamos com a parceira dos professores, que são o elo entre as crianças e o conselho”, comenta ela. “Todas as denúncias são investigadas”, acrescenta.
Márcia relata alguns casos atendidos pelo Conselho Tutelar e que, na grande maioria, foram cometidos por pais, padrastos ou outro familiar. “Infelizmente, a estatística comprova: em 90% dos casos de violência sexual, a criança sofre o abuso na própria família e dentro de casa. Um dos casos que mais me chocou aconteceu em setembro de 2006. Um padrinho abusava há 3 anos do sobrinho. A criança nos contou situações terríveis que passou. Fiquei chocada”, conta ela, acrescentando que ainda na semana passada foi registrado o caso de um padrinho que beijou sua sobrinha de 7 anos a força. “Ele foi surpreendido pela avó. Se isso não acontecesse, acreditamos que a criança teria sido estuprada. Em volta da boca, ficaram marcas roxas. O homem que comete este tipo de violência precisa ser punido pela Lei, mas também precisa de tratamento. Isso é uma doença. Se ele só for preso, quando sair do presídio vai tornar a cometer o crime”, diz Márcia.
No ano passado, alguns casos tiveram grande repercussão em Dois Irmãos. Em novembro, o pai de uma adolescente de 13 anos foi preso após denúncia de estupro feita pela própria filha no Loteamento Picada 48. Na mesma semana, um cabeleireiro foi preso em flagrante, na Avenida 25 de Julho, quando molestava uma menina de 7 e outra de 8 anos. “São casos graves e cometidos por pessoas doentes”, comenta a conselheira.
Outro problema que dificulta a ação da Poder Judiciário e do Conselho Tutelar na descoberta dos tarados e estupradores é a conivência da mãe da vítima. A dependência financeira do companheiro muitas vezes acaba valendo mais do que o sofrimento do filho. “Quando a criança sofre esse tipo de violência, ela se sente culpada. Ela pensa o que pode ter feito para ter sofrido tal agressão”, comenta a conselheira Márcia Skonetzky.
O promotor Wilson Grezzana conta que a mãe, quando fica sabendo de uma violência deste tipo, às vezes prefere não acreditar no filho pois depende financeiramente do companheiro. “Tem casos que a mulher tem três filhos para alimentar, mora na casa do companheiro e se sente em uma situação sem saída. Ela coloca o problema em uma balança. Num lado a dependência desse homem e do outro o sofrimento do filho. Infelizmente, muitas vezes ela prefere se iludir e acreditar que é história do filho. Assim como a criança é silenciada por ameaças e temor, a mãe se cala por causa da dependência do companheiro”, destaca ele.

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