quinta-feira, 7 de abril de 2011

“Temos que ir, ver e sentir”

Líxia com Amyr Klink na capital
Na semana passada, no Hotel Sheraton, em Porto Alegre, aconteceu o Congresso COC – Para Quem Acredita em Educação. O evento teve como palestrante o navegador Amyr Klink e foi prestigiado pela superintendente Líxia Stoffel e por Dorival Junior, da Fundação Assistencial de Dois Irmãos (FADI). A pedido do Jornal Dois Irmãos, eles entregaram um exemplar para Amyr Klink e conversaram com ele sobre suas aventuras mundo afora. “Foi uma honra ter ouvido um relato de suas experiências. Saímos de lá renovados e motivados”, comentou Líxia.

Amyr Klink, 55 anos, é velejador, escritor, economista e administrador. Já foi mais de 20 vezes à Antártica. Entre suas viagens mais conhecidas está a que ele fez da Antártica ao Ártico, percorrendo 27 mil milhas – o equivalente a 50 mil quilômetros – em 642 dias. Filho de pai libanês e mãe sueca, é casado com Marina Bandeira, com quem tem as gêmeas Tamara e Laura, nascidas em 1997, e a caçula, Marininha, nascida no ano 2000. O bate-papo de Líxia e Junior com Amyr Klink rendeu a entrevista que você lê a seguir:

Qual a sua viagem inesquecível?


Amyr Klink – Na verdade, todas as viagens para o mar, principalmente para a convergência Antártica, são muito ricas de acontecimentos, mas três são especiais para mim. Vou começar pela última, no ano passado, quando fui para lá com minhas três filhas e outras crianças. Foi a mais impressionante. Achei que seria legal para as crianças, que elas iriam aprender muito. E realmente foi uma experiência muito boa que eu quero voltar a fazer. Quebrei alguns conceitos, porque eu não comprei um barco pronto para viajar, não mandei ninguém fazer. Eu mesmo construí e projetei cada um dos barcos em que viajei. Já são cinco viagens desde 2003 que faço com as minhas filhas. Nesta última, um grupo de amigas e amigos foi junto, e pelo tempo que as crianças ficaram longe da escola, tiveram que manter uma disciplina de estudos no barco. Foram 14 meses, encerrando no início deste ano, e foi exigido pela escola que elas realizassem uma apresentação ao retornar. Deu tudo tão certo, que acabou resultando em um livro. Após cerca de 30 anos velejando, tive a grata surpresa de conhecer verdadeiramente o mar através dos olhos das minhas filhas, pois sem falar em regras e normas, elas conseguiram desfiar em um conteúdo completo todos os procedimentos que são necessários no mar.




E a segunda?


Amyr Klink – Outra viagem inesquecível foi quando, voluntariamente, decidi literalmente encalhar na Antártica, e assim permanecer por 15 meses, até desencalhar naturalmente, ao derreter o gelo com a chegada do verão ártico. Confesso que para mim é muito difícil explicar qual é a graça de ficar plantado lá por mais de um ano. A pergunta mais constante é como eu matava o tempo, e na verdade essa foi a razão que me motivou: o tempo! Era um desejo meu viajar através do tempo, ser dono do meu próprio tempo, lendo e fazendo exatamente o que eu queria. Por incrível que pareça, ainda faltou tempo, pois, quando vi, estava numa rotina incansável, e na Antártica até as pequenas coisas do dia demoravam horas. Por exemplo: para fazer água com o gelo, demorava quase quatro horas, então, para fazer um simples almoço, era necessário todo um planejamento. Nessa viagem levei cinco rolos de filme com cerca de 180 poses. Por isso, demorava cerca de uma semana para decidir se valia ou não a pena tirar aquela foto. Teve uma foto, em especial que demorei uma semana para tirar. Depois, me senti tão feliz que fiz um discurso para celebrar, só que não existia ninguém lá para ouvir. Lembro de ter dito: “De agora em diante sou dono do meu tempo!” Era outra época. Já nesta última viagem, a minha mulher bateu 28 mil fotos com uma máquina digital, e nem em 2041 teremos visto todas elas.



E a terceira?


Amyr Klink – Minha terceira viagem inesquecível na verdade foi a primeira, e começou em Parati (cidade história do Rio Janeiro que ele frequenta desde criança e que o inspirou a ser tornar o navegador mais famoso do Brasil). É uma das poucas cidades que nasceram de um projeto. Um exemplo disso é que, através de muita criatividade, conseguiu arrumar uma forma de limpar as ruas com a maré, que entra duas vezes por dia na cidade. Foi em Parati que conheci o mar e é lá que decidi viver e morrer, naquela casinha vagabunda que eu mesmo construí e que não tem luz, nem estrada e nunca terá. Foi lá que tive uma das ideias menos brilhantes da minha vida, estúpida mesmo, de cruzar o oceano em uma canoa remando, e após 100 dias saí da África com 25 quilos a menos. A ideia foi tão brilhante que até hoje fui o único a cruzar o Atlântico Sul remando numa canoa.

Quando será a próxima?


Amyr Klink – Tenho ido regularmente à Antártida. A temporada começa em outubro e devo viajar dia 15 de outubro.



Ultimamente, a questão do aquecimento global vem sendo muito discutida. Em suas viagens à Antártica, que mudanças você já observou?


Amyr Klink – Eu tenho observado mudanças desde a quinta viagem, quando eu passei um período de 15 meses. O fato é que, convivendo com as pessoas que trabalham por lá, eu sei que estão ocorrendo alterações bruscas, que nunca tinham ocorrido antes. É uma espécie de alerta para a gente pensar no que estamos fazendo. Eu acho ridículo esses canais de televisão que ficam falando que o nível do mar vai subir e alagar as cidades. Esse fato não vai acontecer! Isso é um processo que acontece ao longo dos séculos, e as cidades, as pessoas e os países vão se adaptar e praticamente não vão visualizar essas alterações.



Qual sua maior lição de vida?

Amyr Klink – De tudo o que aprendi até hoje, o mais importante é o que minha mãe e meu pai me ensinaram. A leitura era um mundo à parte, e isso eu aprendi com eles. Uma pessoa que não lê é defasada em cultura e educação. Lembro que meu pai foi um homem apegado aos valores morais, era inteligente, mas pouco empreendedor. Tinha ideias revolucionárias, mas conceitos ideológicos pouco produtivos. Ele pregava o desapego, talvez por ter morado em muitos países onde perder tudo poderia acontecer a qualquer momento. Ou seja, para ele, uma casa, um carro ou um palácio valiam o mesmo que 20 palitos de fósforo. Ele me ensinou que só o estudo valia a pena, pois ninguém poderia tirá-lo de mim.



Quantos idiomas você fala?


Amyr Klink – Hoje falo e escrevo em quatro idiomas diferentes, cinco com o português. Mas sei que deveria falar ao menos 5% das 200 línguas existentes.



Foi muito difícil escolher a escola para suas filhas?


Amyr Klink – Para mim, a escola é o complemento da educação dada pelos pais. Por isso, procurei uma em que os pais tivessem grande acesso aos professores.



Que dica daria para os pais?


Amyr Klink – Troquem mais experiências com seus filhos, esqueçam o futebol e as novelas e participem da educação deles. Faço isso com as minhas filhas ao levá-las nas livrarias, gráficas e bibliotecas. É maravilhoso!



Quando se fala de educação, estamos no caminho certo?


Amyr Klink – Eu acho que sim, mas temos um problema sério a vencer, que é a guerra contra as drogas. Outro problema é que os alunos hoje escrevem muito menos do que escreviam antes.



Que mensagem deixa aos leitores?


Amyr Klink – Tenho um lema ou uma dica para dividir com todos: “Temos que ir, ver e sentir”! Um homem precisa viajar, por sua conta, não por meio de histórias, livros ou TV; precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu, para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor; conhecer o frio para desfrutar o calor, e o oposto; sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o seu próprio teto; um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver.
(fotos arquivo pessoal Amyr Klink )

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